"
ACORRENTADO"
Hoje pensei em me enforcar. Perdi tudo. O amor das minhas
filhas. Faz uma semana que estou em recuperação e a destruição que cometi me
esmaga por dentro. Passei meses morando num barraco, torrando cada centavo que
ganhei durante meus quarenta e oito anos de vida. Mercado, açougue, carros e
motos. Nada mas faz sentido. O crack é uma maldição que tem da uma sensação de
prazer potente. Lembro o dia que peguei pela primeira vez minha filha no colo.
O dia mais feliz da minha vida. Arruinado. Nunca pensei que chegaria tão longe.
Usava cocaína de vez em quando e com o passar dos anos o consumo aumentava. O
diabo bate em minha porta e me presenteia com sua corrente mais poderosa. Fumei
pela primeira vez, e naquele exato momento, respirei profundamente e disse a mim
mesmo que estava no céu. Na verdade foi meu primeiro contato com o inferno.
Minha condição financeira contribuiu com o desastre. Geralmente não morremos
enquanto podemos pagar pela droga. O que Deus deve pensar a respeito de tudo
isso? Seus filhos nas ruas, roubando e
se humilhando.
Minha família desistiu de mim. Eu mesmo desisti de lutar e
comecei a fumar tudo que via na minha frente. Todos olhavam para mim e se
perguntavam como tinha acontecido. Meu caráter foi destroçado. De homem
trabalhador para mendigo, e tudo tão rápido que nem via os dias passarem dentro
de barracos. Estou pagando pelos meus erros e o sofrimento é tão grande que
penso em me matar. Os mais jovens me ajudam muito. Me dão uma lição de vida e
dizem que se eu não sofrer, o tratamento não funciona. Tudo está se encaixando
e não me resta mais nada a não ser sofrer. Estou plantando novas sementes. Bons
frutos virão.
André Monteiro
Relatos anônimos 2011
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